Com o aumento do acesso à tecnologia e frequente evolução no cenário empresarial e suas respectivas relações organizacionais, evidente a transformação substancial da criminalidade ao longo dos anos, sobretudo tratando-se de delitos econômicos. Nesse sentido, atualmente, podemos perceber a transformação e prevalência de condutas criminais complexas que antes não existiam ou, ao menos, eram praticadas com menor recorrência, sendo necessária, assim, a devida tipificação penal.

Qual o dispositivo legal que prevê o delito de lavagem de dinheiro e como é sua aplicação?

Visando a responsabilização penal de indivíduos que se utilizam de sociedades empresariais para mascarar a ilicitude de dinheiro proveniente de infrações penais anteriores, o legislador pátrio elaborou a Lei nº 9.613/98, conhecida como Lei de Lavagem de Capitais. Em seu art. 1º, dispões que o crime de lavagem de capitais consiste em: “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.”

Contudo, diante de sua redação inicial, na qual havia a previsão somente da figura do dolo direto, os operadores do direito encontram certa dificuldade para mensurar a responsabilização penal dos indivíduos pertencentes a cargos empresariais. Assim, com o intuito de ampliar a incidência do delito de lavagem de capitais, houveram alterações substanciais provenientes da Lei 12.683/12, em especial a mudança promovida no art. 1º, §2º, I, que suprimiu a expressão “que sabe serem provenientes”, anteriormente contida na legislação.

Posso ser responsabilizado mesmo sem o conhecimento concreto da origem ilícita dos valores?

Em virtude da aludida mudança, parte da jurisprudência entendeu que a lavagem de capitais comporta a modalidade do dolo eventual, na medida em que se retirou a necessidade de ciência, por parte do agente, acerca da ilicitude dos valores. Sendo assim, diversas maneiras de apuração do dolo eventual emergiram, em particular a Teoria da Cegueira Deliberada.  

De acordo com a teoria, nascida na Inglaterra, o propósito do agente pode ser presumido caso ele se mantenha deliberadamente em estado de ignorância acerca da existência da ilicitude ou mostre indiferença crassa (grossly indifferent) a respeito de seu dever de assegurar-se de tal circunstância. Em outras palavras, a Teoria da Cegueira Deliberada possui como elemento legitimador o estado de ignorância proposital do agente acerca de determinada conduta suspeita, possibilitando, assim, a constatação do elemento subjetivo em sua conduta.

Diante da essência da Teoria, diversas críticas foram realizadas acerca da sua aplicabilidade em nosso ordenamento jurídico pátrio. Doutrinadores contrários à sua aplicação fundamentam sua inviabilidade em razão da responsabilização penal objetiva, instituto vedado pelo Direito Penal. 

Ainda, ressaltam o quadro subjetivo que é trazido pela sua aplicação, na medida em que faculta o julgador presumir o dolo do agente através de uma conduta omissiva deste, em clara discordância às garantias individuais fundamentais, tais como a presunção de inocência. 

Todavia, baseadas na aplicabilidade da Teoria, são corriqueiras as condenações baseadas exclusivamente no cargo ou função hierárquica que determinada pessoa detinha na empresa em que ocorreu o ilícito penal.

Em que pese tal entendimento, para a correta responsabilização penal do agente pela prática de crimes econômicos, é necessário que o agente ao menos tenha conhecimento da origem ilícita dos bens e agiu objetivando a ocultação e dissimulação dos respectivos valores. Toda e qualquer interpretação extensiva da lei, em malefício ao acusado, visando aumentar a abrangência de responsabilização penal do tipo penal previsto na Lei n º 9.613/98, deve ser vista como indevida.

Como proceder a fim de diminuir o risco de responsabilização penal dos dirigentes pelas infrações cometidas no âmbito empresarial?

Objetivando evitar a responsabilização penal dos dirigentes empresariais em condutas que não possuem controle direto, mostra-se necessária a implementação, por parte das Empresas, de medidas de prevenção e compliance, proporcionando treinamentos e instruções éticas destinadas a todos os seus colaboradores. 

Vale ressaltar,  que com a descentralização empresarial inerente às grandes companhias, cada vez mais o sócio/dirigente encontra-se distante dos atos de seus colaboradores subordinados, realizando um controle difuso por intermédio da hierarquia empresarial construída. Assim, fundamental a presença de uma assessoria jurídica especializada, a fim de elaborar as diretrizes de compliance empresarial e definir as competências de cada um dos colaboradores.

Dessa maneira, com o intuito de promover uma integridade corporativa, deverão as sociedades empresariais providenciarem assessoria jurídica preventiva, afastando, ao máximo, a possibilidade de práticas penais no âmbito da Empresa. Aliado a isso, a fim de apurar a legalidade das condutas praticadas pelos seus sócios e colaboradores, deve-se definir, de maneira pormenorizada, a autonomia de cada um de seus colaboradores, definindo também como será realizada a verificação da legalidade dos atos realizados, evitando posterior responsabilização penal indevida, sem que haja qualquer domínio do fato por parte do sócio/dirigente.