As contratações pela administração pública, nas suas diferentes esferas (municipal, estadual e federal), representam uma importante parcela da economia brasileira, sendo responsável por cerca de 13% do Produto Interno Bruto – PIB brasileiro. Isso quer dizer, que todos os anos,  mais de um décimo de toda riqueza produzida no país é oriunda das contratações de entes privados pelos entes estatais.

Contudo, ainda que aparentemente essa relações entre entes públicos e privados se aproximem do direito obrigacional, às contratações públicas se submetem à um regime jurídico próprio, fundado em preceitos de direito público, caracterizado por um sistema de normas rígidas e específicas. Todo esse tratamento jurídico especial se destina a garantir, ao apagar das luzes, que se atenda ao chamado interesse público.

Dessa forma, a legislação brasileira que trata do tema, em especial a Lei 8.666/1993, é marcada por impor – e não poderia ser diferente – uma série de procedimentos destinados a garantir a isonomia, a publicidade e  a eficiência  do processo de contratação. Dentre as exigências legais para contratar com o poder público, está a regularidade fiscal, tema que merece especial atenção das empresas que desejam fornecer produtos ou serviços à administração pública.

O que é regularidade fiscal?

A resposta para essa pergunta parece ser simples, mas não é. Isso porque, a regularidade fiscal no Brasil não pode ser vista apenas como o pagamento em dia dos tributos, mas sim de que, ao tempo da verificação da situação fiscal, determinado contribuinte não havia obrigações fiscais exigíveis pelo Fisco. 

Apesar de sutil, a diferença entre regularidade fiscal e quitação integral de tributos é de extrema relevância para o tema das contratações pública. Nesse sentido, a Lei 8.666/1993 exige, expressamente, que as empresas contratadas demonstrem a regularidade, e não a quitação.  O tema, inclusive, já foi esclarecido pelo próprio Tribunal de Contas da União (Súmula nº 283), que decretou que a “administração pública não deve exigir dos licitantes a apresentação de certidão de quitação de obrigações fiscais, e sim prova de sua regularidade”.

Ocorre que, a regularidade fiscal não é algo simples de se obter no Brasil, inclusive em tempos de crise financeira como o vivido neste momento, haja vista a complexidade do sistema tributário brasileiro, que dificulta – e muito – o cumprimento das obrigações fiscais pelos contribuintes. 

 A distribuição ampla da competência tributária entre os entes federados, com a coexistência de diversos tributos incidentes sobre a atividade empresarial, além da multiplicidade de sistemas e formas de apuração do que é devido, transforma o sistema tributário brasileiro em um dos mais complexos do mundo. 

Diante disso, é evidente a dificuldade de se manter regularidade fiscal para as empresas brasileiras, especialmente para aquelas que desejam participar de processos licitatórios, as quais precisam de estar atentas às medidas judiciais e extrajudiciais que podem evitar a irregularidade fiscal.

Como comprovar a regularidade fiscal?

A regularidade fiscal é comprovada por certidões expedidas pelas administrações fazendárias dos diferentes entes federativos, além da prova da inscrição no CNPJ/CPF e no cadastro de contribuintes estadual/municipal, de forma compatível com a atividade e domicílio do contribuinte. 

As certidões de regularidade fiscal são as chamadas Certidões Negativas de Débitos (CND) ou Certidões Positivas com Efeito de Negativas (CPD-EN). 

Enquanto a primeira atesta a inexistência de débitos com o Fisco, a segunda atesta a situação de exigibilidade de débitos. Assim, a CPD-EN confirma que o contribuinte possui débitos perante a administração fazendária, mas que por uma das razões previstas no art. 151 do CTN, esse débito não pode ser objeto de cobrança.  

Ressalta-se que, apesar de possuir o mesmo efeito em relação à comprovação da regularidade fiscal,  a diferença das certidões é muitas vezes ponto de controvérsia, inclusive na própria administração pública. Isso porque, não é de se surpreender se uma empresa tiver a habilitação em processo licitatório negada por apresentar a Certidão Positiva com Efeitos de Negativa, o que já aconteceu em diversas ocasiões.  

Diante disso, é importante esclarecer que, para fins de contratação com o poder público, a comprovação da regularidade fiscal não se limita à apresentação da CND, podendo ser comprovada pela apresentação da CPD-EN. Isso porque, conforme já exposto, a exigência contida no art. 29 da Lei 8.666/1993 objetiva evitar que o ente público contrate com quem está em situação irregular, o que não quer dizer que o licitante não possa ser devedor de tributos.

Como obter as Certidões de Regularidade Fiscal? O que fazer se forem negadas pelo Fisco?

As Certidões de Regularidade Fiscal podem ser obtidas por meio de procedimentos simples junto aos órgãos fiscais, que em sua maioria disponibilizam os serviços via internet. 

Contudo, os problemas começam quando os contribuintes não conseguem obter as certidões comprovando a regularidade fiscal, principalmente quando são pegos de surpresa, por desconhecimento ou discordância das pendências acusadas pela administração fazendária. 

Diante disso, as empresas que participam de processos licitatórios ou estão contratadas pelo poder público precisam ter em mente as medidas cabíveis para obtenção das Certidão de Regularidade Fiscal, quando essas lhe são negadas. 

Inicialmente, há de se ter clareza quanto às situações que suspendem a exigibilidade do crédito tributário e, portanto, podem garantir ao menos a obtenção da CPD-EN. Essas hipóteses estão previstas no art. 151 do CTN, o qual expressamente prevê a suspensão da exigibilidade nos casos de moratória, depósito integral, reclamações e recursos administrativos, medida liminar ou tutela antecipada em ações judiciais e o parcelamento. 

Veja-se, portanto, que a própria lei confere ao contribuinte a possibilidade de discutir, parcelar ou postergar o pagamento de tributo, mediante procedimentos administrativos ou judiciais, que garantem a regularidade fiscal, ainda que não haja o pagamento integral do tributo. 

Portanto, além de se manter atenta ao cumprimento das obrigações tributárias, inclusive as acessórias, as empresas que pretendem participar de processos licitatórios devem sempre buscar medidas de suspensão do crédito tributário quando se depararem com a irregularidade fiscal, as quais devem ser cuidadosamente avaliadas e acompanhadas por assessoria jurídica especializada.

Em que fases do processo de contratação pública é exigida a comprovação da regularidade fiscal?

A regularidade fiscal deve ser comprovada na fase de habilitação, que é a fase em que os interessados em participar de determinado processo licitatório demonstram que estão aptos, técnica e juridicamente, à contratar com o poder público, nos termos do edital. 

Portanto, a empresa que não comprovar, pelos meios já aqui expostos, a sua regularidade fiscal será impedida de participar do certame, à exceção das micro e pequenas empresas. Essas, por sua vez,  recebem um tratamento especial da legislação (Art. 42 e 43 da Lei Complementar 123/2006), que possibilita que a  comprovação da regularidade fiscal  seja feita apenas na assinatura do contrato, caso saiam vencedoras. 

Passada a fase de licitação e formalizada a contratação do vencedor, surge a dúvida se a regularidade fiscal deve ser mantida durante toda a etapa de execução do contrato, ainda que após o cumrpimento da maioria das obrigações assumidas. 

Nesse ponto, há de se esclarecer que a Lei 8.666/1993 não coloca de forma expressa a necessidade de se comprovar a regularidade fiscal durante a execução do contrato, contudo a partir da leitura do seu art. 55, XIII, e de acordo com a interpretação dada pelos Tribunais de Contas,  é possível concluir que a empresa contratada deve sim manter a regularidade fiscal durante a execução do contrato, sob pena de rescisão. 

Preciso comprovar a regularidade fiscal nos casos de dispensa de licitação?

Apesar da obrigatoriedade de se realizar as contratações públicas mediante o devido processo de licitação, a lei pode prever exceções a esta regra, podendo prever situações de inexigibilidade ou dispensa do procedimento licitatório. 

Assim, surge o questionamento quanto a necessidade de se comprovar a regularidade fiscal nos casos de dispensa de licitação, pois fica a impressão de que a habilitação seria procedimento voltado aos interessados em participar de processo de licitação. 

Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União (ACÓRDÃO 2616/2008 – PLENÁRIO) já se manifestou reconhecendo inexigibilidade da comprovação da regularidade fiscal nos casos de dispensa de licitação previstos no art. 24, I e II da Lei 8.666/1993. O entendimento é decorrente da interpretação, por analogia, do art. 32, §1º da mesma Lei, que por sua vez prevê a possibilidade de dispensa da comprovação da regularidade fiscal nos casos de convite, concurso, fornecimento de bens para pronta entrega e leilão.

Destaca-se, portanto, que a decisão expressamente limita o entendimento às situações de dispensa previstas nos incisos I e II, que são as dispensas em razão do “pequeno valor” estabelecido pela legislação, de forma que a exigência da comprovação nos demais casos de dispensa permanece.

Quais tributos são exigidos nas certidões de regularidade fiscal?

Pois bem, ultrapassada as considerações sobre a regularidade fiscal e seu impacto nas licitações, há de se esclarecer quais tributos podem ser exigidos pelos órgãos licitantes para fins de habilitação com o poder público. 

Nesse sentido, existe o entendimento, ainda que minoritário, de que os tributos que podem ser exigidos são aqueles que guardam relação com o objeto da contratação. Assim, se determinada empresa se habilita em processo licitatório instaurado para contratação de serviço tributado pelo ISSQN, não poderia a comissão impedir sua participação por não ter a regularidade fiscal em relação ao ICMS, por exemplo. 

Noutro giro, o entendimento majoritário e comumente adotado pelos tribunais, é no sentido de que a regra da regularidade fiscal deve ser entendida de maneira ampla, atingindo todos os tipos de tributos, independente do objeto contratual.  A justificativa para tal entendimento está na própria finalidade da exigência legal, que tem por objetivo garantir a execução do contrato e preservar a isonomia. 

Dito isso, há de se concluir que a regularidade fiscal exigida para fins de contratação com o poder público abrange todos os tributos, além da seguridade social e o FGTS, conforme está expresso no art. 27 da Lei 8.666/1993 e no art. 195, §3º da Constituição Federal.

Por fim, diante de todo o exposto, é possível concluir que a regularidade fiscal é tema complexo e que merece especial atenção das empresas interessadas em contratar com a administração pública, haja vista ser uma exigência legal para participar dos processos licitatórios, que persiste durante toda a etapa de execução do contrato. 

Diante disso, considerando a complexidade do sistema tributário brasileiro e as dificuldades de se manter o fiel cumrpimento das obrigações tributárias, as empresas que contratam com o poder público devem contar com uma assessoria jurídica especializada e multidisciplinar, visando manter o cumrpimento das obrigações tributárias, além de se antecipar em casos de eventuais pendências fiscais, atuando de forma preventiva para garantir, via procedimentos administrativos e judiciais, a suspensão da exigibilidade dos créditos e consequente manutenção da regularidade fiscal.