Em um país como o Brasil, de dimensões continentais e significativo aparato estatal, o Estado precisa constantemente recorrer à iniciativa privada para manutenção de suas atividades e serviços. Assim, esse tipo de contratação é uma das grandes forças motrizes da economia nacional, sendo responsável por mais de um décimo das riquezas produzidas no país (fonte: Ministério do Planejamento). As contratações públicas são ainda mais relevantes para alguns setores econômicos, tais como infraestrutura e saúde,  que têm no poder público o seu principal cliente.

Essa relação público-privada possui seu próprio regime jurídico, pautado nos preceitos de direito público (Art. 54 da Lei 8.666/1993), distinguindo-se daqueles que regem as relações de  direito privado. Dentre eles, estão tanto os que visam garantir a lisura dos processos de contratação e o devido atendimento ao interesse público quanto os que buscam evitar que a participação do poder público comprometa o ambiente competitivo do mercado, violando a livre concorrência (Art. 170, IV, Constituição Federal). Portanto, além de ser um instituto voltado a proteger as partes contratantes, esse equilíbrio econômico-financeiro é um meio de assegurar amplamente as relações jurídicas e econômicas, ou seja, o mercado. 

Contudo, embora as partes estejam sob as condições contratuais, mudanças abruptas no cenário econômico – como a pandemia da COVID-19 – podem muitas vezes desequilibrar, economicamente essa relação, criando a necessidade de se promover o reequilíbrio econômico financeiro do contrato. De fato, o atual contexto que o país atravessa vem afetando todos os setores econômicos, direta ou indiretamente, incluindo empresas que prestam serviço ao poder público e estavam com contratos vigentes. 

Consequentemente, muitas empresas passam a clamar por medidas que permitam o reequilíbrio de seus contratos, reacendendo a discussão desse tema, já levantado em tribunais administrativos e judiciais anteriormente, mas que vem ganhando novos contornos. Por isso, é necessária uma análise mais profunda e detalhada.

O que é Equilíbrio Econômico-Financeiro dos contratos administrativos? 

Qualquer contrato – público ou privado – visa contemplar as obrigações das partes, estando de um lado os encargos relativos à execução do objeto e do outro a justa retribuição pela prestação do serviço. Assim, embora seja regido por preceitos próprios do direito público que, em prol do interesse coletivo, acaba mitigando a liberdade e a igualdade das partes, ainda assim o documento tem como premissa básica a justiça contratual, seja na sua formalização, execução ou até interpretação ao fim da sua vigência.

Em verdade, essa equivalência entre as obrigações oriundas da relação contratual é fundamental na prevenção do enriquecimento ilícito de uma das partes, configurando onerosidade excessiva, expressamente vedada pelo art. 478 do Código Civil. Nos contratos administrativos, o equilíbrio econômico-financeiro é verificado já no momento da licitação, quando o ente privado apresenta ao Estado sua proposta de contrapartida para executar os encargos apresentados no edital. Porém, o equilíbrio deve ser mantido também após a contratação, durante toda sua vigência.

Trata-se de garantia das partes, prevista inclusive na Constituição Federal que, em seu art. 37, XXI, prevê a manutenção das condições da proposta durante todo o contrato. No mesmo sentido, a própria Lei 8.666/1993 utiliza muitas vezes o equilíbrio econômico-financeiro como principal limitador dos poderes da administração pública na gestão dos contratos, especialmente inadmitindo alterações unilaterais que altere cláusulas econômico-financeiras (art. 58, §1º).  

Além disso, como afirma Di Pietro, referindo-se a Edmir Netto de Araújo, o equilíbrio econômico-financeiro, juntamente com o interesse público, são princípios básicos que não podem ser desconhecidos ou infringidos pelo poder público. Portanto, diante de possíveis alterações nos fatores externos ou internos do contrato que configurem onerosidade excessiva, a Lei 8666/1993 prevê mecanismos para restabelecer o equilíbrio e as condições da proposta, evitando assim interferência do poder público na ordem econômica.

Quando pleitear o reequilíbrio econômico-financeiro de um contrato vigente?

Como dito, essa medida é uma “oportunidade de restabelecer o equilíbrio toda vez que de alguma forma mais profunda for ele rompido (…)”. Para tanto, as partes devem se valer de dois institutos distintos, um preventivo e o outro incidental. O primeiro, previsto no contrato, é o reajustamento, por meio de índices econômicos (reajuste) ou planilha de preços de insumos (repactuação) para proteger a relação econômica do regime inflacionário. Já o segundo é a revisão, cujo papel é retomar o equilíbrio econômico-financeiro diante de um fato superveniente que altere as condições do contrato. 

O art. 65, II, d,  da Lei 8.666/1993 prevê as hipóteses em que se admite a revisão de comum acordo entre as partes:

Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

II – por acordo das partes:

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

A lei expressamente reconhece o direito do contratado em pleitear o reequilíbrio contratual diante de fatos supervenientes. Esse direito decorre tanto da teoria da imprevisão como do fato do príncipe. No campo da imprevisibilidade, pode-se afirmar que os acontecimentos externos ao contrato, estranho à vontade das partes, imprevisível e inevitável, que ocasionar o desequilíbrio contratual faz necessária a revisão para estabelecer as condições iniciais. São os chamados fatos imprevisíveis, de força maior ou caso fortuito.

Enquanto isso, o fato do príncipe leva à necessidade de reequilíbrio contratual quando comprovadamente se altera a equação econômica financeira do contrato por atos da própria administração pública que, mesmo se externos ao contrato, interfira na relação contratual. Exemplo disso seria o aumento da alíquota de um determinado tributo incidente sobre insumos de construção civil, aumentando consideravelmente o custo operacional de uma obra. 

Reequilíbrio econômico-financeiro e COVID-19

Dito isso, parece simples afirmar que os impactos da pandemia de 2020 correspondam à teoria da imprevisão, visto que:

  • Os fatos são externos ao contrato;
  • Estranhos à vontade das partes;
  • Inévitalvel e imprevisivel (quanto à ocorrência ou consequências).

E, embora pouco perceptível, a pandemia também ocasionou o chamado fato do príncipe, ao haver por todo o país decretos de paralisação de atividades econômicas, além de políticas de isolamento social, que acabaram interferindo nos contratos vigentes, já que as as condições de logística e gestão de mão de obra foram alteradas.

Assim, é fato que o atual contexto do país corresponda aos requisitos legais para o direito de revisão do contrato a fim do reequilíbrio econômico-financeiro. Cabe às empresas afetadas  demonstrar o próprio desequilíbrio ocorrido e a sua relação com a pandemia. 

Nesse ponto, embora sejam muito particulares e variem conforme cada contrato e setor, algumas situações ocorridas durante a pandemia podem ser causa do desequilíbrio contratual. São elas:

  • Considerável valorização do dólar frente ao real (aumento nos valores dos insumos importados);
  • Desabastecimento causado por questões de logística (fechamento de portos, redução da produção industrial);
  • Aumento dos custos com a segurança dos trabalhadores (exigências de testagem, e novos equipamentos e medidas de proteção individual);
  • Aumento dos preços de insumos praticados pelo mercado, em razão da alteração da relação oferta x demanda.

Portanto, não há dúvidas sobre o impacto da pandemia da COVID-19 em todo o cenário econômico mundial, afetando milhares de empresas e relações comerciais em todo o mundo. As relações contratuais entre poder público e entes privados sofrem igualmente os impactos da situação, que é  totalmente excepcional, razão pela qual não nos parece crível negar a aplicação do art. 65 da Lei 8.666/1993 aos contratos em vigor. 

Como pleitear o reequilibrio contratual? 

Uma vez verificadas as condições acima, e considerando se tratar de um princípio básico das relações contratuais expressamente previsto em lei, é dispensável que o contrato discorra sobre hipóteses e meios de revisão, bastando a comprovação da ocorrência do desequilíbrio, em razão do fato imprevisível ou do príncipe.   

Feito isso, as empresas devem recorrer diretamente ao ente público contratante, de preferência com o suporte de assessoria jurídica especializada,  formulando solicitação formal ao setor responsável pela gestão do contrato, com a devida comprovação dos fatos supervenientes e o rompimento do equilíbrio contratual.  

Entretanto, por se tratar de um tema previsto, inclusive, pela Constituição, uma vez negado o pedido na esfera administrativa, permanecendo a situação de desequilíbrio contratual e onerosidade excessiva, o contratado deve buscar a via judicial para tutelar seus direitos, para que o judiciário promova o reequilíbrio sem prejuízo à separação dos poderes. 

Vale destacar que já há provimentos judiciais especialmente voltados para o momento de crise causada pela COVID-19, acatando a tese da necessidade de reequilíbrio econômico-financeiros dos contratos administrativos, inclusive com decisões monocráticas proferidas no âmbito do STJ.