O trabalho de investigação criminal de determinada conduta ainda é comumente associado à figura apenas do delegado e demais agentes policiais. Nos últimos anos, essa unilateralidade vem sendo questionada quanto à paridade de armas na fase que antecede o oferecimento da denúncia.

Em outras palavras, restava ao indivíduo investigado ser submetido aos procedimentos fixados pela autoridade policial, ficando assim impossibilitado de apresentar provas por conta própria, gerando incômodo aos advogados de defesa.

Mas qual é a importância do Inquérito Policial?

Sobre o assunto, mostra-se equivocado entendimento de parte da doutrina no sentido da irrelevância do Inquérito Policial diante da sua natureza administrativa, justificando a flexibilização dos princípios do contraditório e da ampla defesa. São corriqueiros os episódios em que a autoridade policial realiza atos investigativos sem a presença do advogado de defesa, sob o fundamento de que é dispensável sua participação em sede de Inquérito.

Entretanto, os elementos colhidos na fase pré-processual interferem diretamente na convicção do Juiz, inclusive para impor medidas cautelares em desfavor do investigado. Não raras vezes, a convicção do Juiz é influenciada negativamente por elementos colhidos em Delegacia, sendo esse um dos motivos propulsores da criação do Juiz de Garantias pelo famoso Pacote Anticrime.

Portanto, além de sua importância em fornecer elementos de prova para o oferecimento da denúncia ao Ministério Público, o Inquérito Policial também impacta na convicção interna do Juiz e em quais provas serão produzidas durante a ação penal.

Somente o Estado pode investigar?

Existem manifestações recentes no sentido de que a atividade investigativa seja exclusiva do Estado, por intermédio da polícia judiciária, de acordo com o artigo 144, § 1º, da Constituição Federal e da Lei Federal nº 12.830/03. 

Parte da doutrina afirma, porém, que a investigação defensiva realizada em favor do investigado seja permitida com base nos princípios constitucionais da paridade de armas e da ampla defesa, inclusive sendo permitida em diversos outros países. Somado a isso, temos a ausência de infraestrutura estatal, muitas vezes dificultando uma investigação a depender dos órgãos públicos.

Os defensores da investigação realizada exclusivamente pelo Estado, por outro lado, baseiam-se na interpretação gramatical da Lei e no pressuposto de que a polícia judiciária aja com imparcialidade, sendo essa última muito questionada diante de diversos episódios em que demonstrou interesse na investigação.

Regulamentação da investigação defensiva

Diante desta discussão, o Conselho Federal da OAB editou o Provimento nº 188, de 11 de dezembro de 2018, regulamentando a atividade de investigação criminal defensiva a ser desenvolvida por advogado.

De acordo com o Provimento, o advogado poderá desenvolver atividades de natureza investigativa, com ou sem assistência de consultor técnico, em qualquer fase da persecução penal, visando elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, a fim de tutelar os direitos do seu cliente.

Muito se discute acerca da constitucionalidade do Provimento, já que ele não possui qualquer previsão expressa na Constituição, tampouco em normas infralegais que regulamentam o exercício da advocacia, não cabendo à OAB dispor sobre a legalidade da investigação conduzida por advogados. 

Apesar disso, os defensores do instituto afirmam ser sim uma atividade autorizada pela Constituição, através do princípio da ampla defesa e do contraditório, previstos em seu artigo 5º, LV. Além disso, diversos tratados internacionais, como a Convenção Americana de Direitos Humanos, dispõem sobre o direito à prova, que assegura a todo investigado a proteção da sua garantia à atividade probatória, inclusive por meio da investigação defensiva.

Possíveis medidas para maior eficiência do instituto

Diante da inovação substancial trazida pelo Provimento, aliada à sua contemporaneidade no cenário jurídico brasileiro, essa é uma área ainda pouco explorada até então, sendo muito questionada acerca das suas diretrizes.

Deve-se reconhecer também a superficialidade do Provimento que regula o instituto, sendo prudente a complementação do tema de maneira específica por meio de outras normas. Portanto, é necessária a edição de instrumentos que fortaleçam e ampliem as prerrogativas da advocacia a partir da ótica da investigação defensiva, bem como a criação de mecanismos específicos que viabilizem sua prática (exemplos: certificações específicas, manuais de conduta, etc.).

É importante lembrar que a necessidade de maiores reflexões sobre o tema virá com o passar dos anos. E que, por ser recente e desconhecido, naturalmente questionamentos sobre sua regulamentação surgirão à medida em que se tornar mais habitual em nosso sistema jurídico.

Papel do advogado na investigação defensiva

Caberá ao advogado, mediante a prerrogativa que lhe foi incumbida pelo Provimento nº 188, do Conselho Federal da OAB, conduzir a investigação defensiva com cautela e prudência.  Deverá manter um diálogo constante com o seu cliente, alertando-o de todas as possibilidades e estratégias defensivas, bem como o melhor momento para sua utilização.

É preciso ressaltar que a titularidade do Inquérito Policial é do Delegado de Polícia e que a elaboração de provas deve passar por sua apreciação, podendo ser indeferida desde que com a devida fundamentação. Assim, avaliando a peculiaridade da situação, o advogado deverá produzir elementos de prova lícitos que interessem ao seu cliente, a fim de esclarecer os fatos ao máximo.

Por fim, avaliando o objeto e a complexidade da investigação, o advogado poderá recorrer a especialistas para uma análise mais específica de determinada questão fática, tal como: tecnologia e informação, psicologia forense, medicina legal, engenharia mecânica, dentre outras.