Não é novidade nenhuma a existência de dispositivos legais que discorrem sobre a figura do Direito Penal negocial ao indivíduo investigado, ou acusado, com o Ministério Público, sobretudo nos crimes de menor potencial ofensivo, a fim de alcançar uma medida despenalizadora ao indivíduo em detrimento do cumprimento de determinadas condições. Sobre o tema, podemos destacar as figuras da Transação Penal (art. 76) e da Suspensão Condicional do Processo (art. 89), ambas previstas na Lei nº 9.099/95.

Ainda, podemos observar a intervenção direta do órgão acusador, visando negociar penas alternativas junto ao indivíduo processado, em sistemas processuais estrangeiros, em especial o americano, através do ¹plea bargain. Frequentes as cenas em seriados e filmes, em que o representante do Ministério Público oferece acordos diretamente aos indivíduos antes mesmo da judicialização da demanda.

¹ Plea bargain é um instituto com origem nos países de sistema Common Law e se traduz em um acordo entre a acusação e o réu, através do qual o acusado se declara culpado de algumas, ou todas, acusações, em troca de uma atenuação no número de acusações, na gravidade das mesmas, ou, ainda, na redução da pena recomendada.

O que é o ANPP e quais são os seus benefícios?

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), recentemente incluído no art. 28-A do Código de Processo Penal, conforme diretrizes do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/19), pode ser definido como direito subjetivo do acusado que possui as condições legais para não ser submetido à ação penal por possível prática de conduta ilícita, como bem preceituado por Aury Lopes Jr.  

Dessa forma, trata-se de um mecanismo voltado à ampliação do espaço de consenso no processo penal, possibilitando ao investigado realizar acordo com o Ministério Público antes do oferecimento da denúncia. Dessa forma, mediante uma negociação com o órgão processante, objetiva-se evitar a judicialização de demandas criminais, proporcionando uma solução eficiente à conduta criminosa de forma a restabelecer a ordem jurídica e a pacificação social.

Aliado a isso, temos que o Acordo visa a redução das despesas processuais arcadas pelo Estado e o aspecto burocrático que envolve toda a judicialização da demanda, desafogando, assim, o acervo processual do Poder Judiciário. 

Por outro lado, pode-se mencionar a mitigação dos prejuízos inerentes ao processo em desfavor do indivíduo acusado, visto que não será submetido a um processo longo e desgastante, não sendo exposto à eventual condenação, que resultaria em sua reincidência. Para tanto, após o devido cumprimento das medidas suficientes à reprovabilidade da conduta impostas pelo Ministério Público, ficará o órgão acusatório impedido de deflagrar a  respectiva ação penal em decorrência da extinção da punibilidade do agente.

Como saber se posso ser beneficiado com o ANPP?

Conforme previsão expressa do art. 28-A do CPP, em não se tratando de arquivamento da investigação, se o investigado tiver confessado a prática da infração penal sem violência, ou grave ameaça, e com pena mínima inferior a 04 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor Acordo de Não Persecução Penal, desde que necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do delito.

Diante dos generalidade dos requisitos legais para concessão, aliada ao fato de a pena mínima inferior a 04 (quatro) anos englobar diversos crimes, verifica-se que o rol dos delitos cabíveis de acordo é extenso. Destaca-se, ainda, que tal previsão legal alcança tanto os delitos comuns, os quais correspondem à maior parte dos processos atualmente em trâmite, como também os conhecidos crimes econômicos, como a lavagem de capitais, comumente derivados de grandes operações policiais e amplamente noticiados nos veículos de imprensa.

Em quais situações não poderá ser oferecido?

O mesmo dispositivo legal (art. 28-A), em seu §2º, disserta acerca das hipóteses em que não será cabível o ANPP, tais como a possibilidade de transação penal; a reincidência; a prática criminal habitual pelo investigado; no caso em que o investigado tenha usufruído de qualquer medida despenalizadora nos 05 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração; e nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou praticados contra mulher por razões da condição de sexo feminino.

Quais as implicações negativas do ANPP?

Para que ocorra a concessão do benefício, é necessária a confissão formal da prática da infração por parte do agente, disposição que vem gerando diversas críticas ao instituto jurídico. Nesse sentido, grande parte da doutrina pátria assevera que a obrigação legal de confessar fere diretamente os princípios da presunção à inocência e da não autoincriminação. Além disso, a confissão pode resultar em grandes problemas futuros, especialmente nos casos em que houver o descumprimento do ANPP.

Feitas tais considerações iniciais acerca do benefício, podemos observar que o dispositivo legal concede ao Ministério Público um alto nível de discricionariedade, visto que admite expressamente a indicação, por parte do órgão acusador, das condições para o cumprimento do ANPP. 

Ocorre que, em que pese o caráter negocial das medidas despenalizadoras, pressupondo uma concessão mútua entre as partes, na prática, acaba sendo comum, tanto na suspensão condicional do processo quanto na transação penal, que as condições sejam unilateralmente impostas pelo Ministério Público, sem qualquer tratativa com o indivíduo processado. Assim, muito se discute acerca do receio de que ocorra o mesmo com o ANPP, inexistindo qualquer ajuste das condições entre o indivíduo e o Ministério Público.

Como devo proceder diante do oferecimento do benefício?

Diante de todas considerações, necessária a representação ativa do investigado, pelo seu defensor, a fim de alcançar disposições favoráveis aos seus interesses, analisando, de maneira estratégica, o conteúdo do Acordo e, caso entenda interessante, negociando junto ao Ministério Público condições de cumprimento aplicáveis e suficientes ao caso concreto.

A bem da verdade, com o advento do direito penal negocial, habilidades advocatícias que antes não possuíam tamanha evidência são valorizadas nos tempos atuais, notadamente a capacidade do defensor em negociar condições para cumprimento de medidas despenalizadoras. Em outras palavras, a aptidão negocial passará a integrar o rol de estratégias de defesa técnica especializada, devendo ser utilizada em consonância com os princípios éticos norteadores da advocacia.

Face à implementação de todos instrumentos de acordo mencionados, evidente a alteração substancial no processo penal, motivo pelo qual não mais podem subsistir as estratégias de defesa tradicionais, as quais tendem a encontrar pouco êxito no Poder Judiciário atual.  Nesse sentido, caberá ao advogado adequar-se à nova dinâmica processual penal, diante desses novos desafios, proporcionando a defesa plena de seu cliente através de uma análise crítica acerca da viabilidade do ANPP. 

Não bastasse, deverá o constituinte, após minuciosa análise circunstancial do caso concreto, avaliar os riscos da submissão ao processo em detrimento da necessidade de cumprimento das disposições por parte do seu cliente. O advogado criminal não pode em nenhuma hipótese utilizar o ANPP como regra, tendo em vista que sempre acarretará ônus ao investigado. Deste modo, sempre na busca da liberdade do cliente, o advogado criminal não pode se contentar com o ANPP, mas sim utilizá-lo como mais um artifício defensivo em benefício do seu cliente.