Introdução
Não é novidade para ninguém que o sistema tributário brasileiro é um dos mais complexos do mundo. Essa complexidade é ocasionada, principalmente, pela distribuição de competência tributária entre os diferentes entes estatais (união, estados e municípios), gerando a coexistência de diferentes tributos, legislações e obrigações acessórias.
Este cenário de hipercomplexidade impacta diretamente no cotidiano dos contribuintes, que precisam enfrentar diariamente o desafio de interpretar a legislação tributária para conseguir cumprir as obrigações fiscais. Assim, além da carga tributária elevada, a atividade econômica sofre com o elevado custo de conformidade, ou seja, além de ter o gasto com o tributo em si, os contribuintes ainda despendem altos valores simplesmente para conseguir pagar os tributos e cumprir as obrigações acessórias impostas pelo fisco.
Diante disso, os contribuintes, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, estão sempre buscando alternativas para reduzir os custos tributários dos seus negócios, objetivando melhorar os resultados da sua atividade empresarial ou, nos casos de pessoa física, reduzir o impacto da tributação incidente sobre as transações que realiza e os rendimentos que aufere.
É neste contexto que o planejamento tributário ganha relevância, pois é a partir dele que os contribuintes poderão organizar seus negócios de forma mais eficiente do ponto de vista fiscal, reduzindo o impacto da tributação.
Não é por acaso que o tema levanta inúmeros debates no ambiente jurídico, instaurando divergências entre fisco e contribuinte, que se veem frequentemente discutindo os limites legais do planejamento tributário.
Isso porque, ciente da perda de arrecadação ocasionado pelas medidas adotadas pelo contribuinte, o fisco está sempre buscando maneiras de coibir a prática, argumentando que o planejamento fiscal acaba por fornecer ao contribuinte a oportunidade de se esquivar do seu dever fundamental de pagar tributos e contribuir, em igualdade, para o financiamento do Estado. Por sua vez, os contribuintes se apegam à licitude dos atos praticados, que estão previstos na própria legislação pátria, defendendo que a economia de tributos é direito do contribuinte, pois decorre da livre iniciativa garantida pela Constituição Federal (art. 1º, IV).
E é exatamente por essa atenção especial que recebe da fiscalização, que o planejamento tributário merece uma análise mais cuidadosa dos contribuintes, de forma a evitar que algo feito com intuito de propiciar ganhos ao negócio, acabe por representar uma onerosidade ainda mais excessiva, ocasionada por uma eventual autuação fiscal.
Diante disso, preparamos um guia com as mais importantes considerações sobre o tema, visando fornecer ao contribuinte alguns conceitos básicos para o melhor entendimento do planejamento tributário, bem como apresentar o panorama geral das principais discussões sobre a matéria em âmbito judicial e administrativo, apontando os principais cuidados a serem tomados pelas empresas ou particulares que pretendem fazer o planejamento.
O que é?
O Planejamento Tributário pode ser entendido como um conjunto de atos adotados pelo contribuinte, seja ele pessoa jurídica ou pessoa física, com o objetivo de eliminar, reduzir ou postergar, de maneira lícita, os ônus fiscais decorrentes das operações pertinentes ao seu negócio.
É, portanto, uma medida preventiva, executada anteriormente à ocorrência do fato gerador do tributo, que possibilita ao contribuinte escolher, entre alternativas igualmente válidas do ponto de vista legal, aquele negócio jurídico que vai atrair uma menor carga tributária para a operação.
Assim, para ser planejamento tributário propriamente dito, as medidas adotadas devem ser, necessariamente, anteriores ao fato gerador do tributo, pois só assim podem ser caracterizadas como elisão fiscal. Qualquer medida adotada para buscar o não pagamento do tributo, após a ocorrência do fato gerador, é considerada evasão fiscal, uma vez que, nesse caso, o único objetivo seria se esquivar do cumprimento de uma obrigação tributária que já existe, configurando assim uma conduta ilícita.
Planejamento Tributário x Gestão Fiscal
Cumpre ainda pontuar que planejamento tributário não se confunde com gestão fiscal. As duas coisas são frequentemente confundidas por alguns profissionais que atuam na área fiscal, porém merecem ser devidamente diferenciadas.
O planejamento tributário, conforme já dissemos, pressupõe a prática de atos e negócios jurídicos alternativos, como por exemplo, a transformação societária da empresa, a redução de capital social, a celebração de um contrato, a constituição de uma holding, entre outros.
Por sua vez, a gestão tributária é apenas o gerenciamento cotidiano da tributação incidente sobre as atividades de uma empresa, normalmente realizada pelos departamentos de Tax, que envolve, por exemplo, a definição de processos e procedimentos internos de apuração, a opção por um regime específico de tributação, a adesão a regimes especiais, o aproveitamento de créditos e compensações, etc.
Desta feita, não há que se falar em planejamento tributário quando o contribuinte está exercendo tão somente as atividades típicas da sua própria gestão fiscal, ainda que alguns destes atos acabe por representar certa economia de tributos, como poderia ocorrer, por exemplo, em uma eventual mudança de regime tributário.
Quais são os limites legais do Planejamento Tributário?
O principal questionamento dos contribuintes na atualidade é quanto aos limites do planejamento tributário. Isto é, o que faz com que um planejamento tributário seja considerado abusivo ou ilegal pelo fisco.
Como já dissemos, o intuito do planejamento tributário é a elisão fiscal, que pressupõe a adoção de medidas previstas na lei, que permitam uma otimização do negócio, sob o ponto de vista fiscal. Portanto, ao se falar em elisão estaríamos, consequentemente, se referindo a uma economia lícita de tributos.
Ocorre que, muitas vezes, apesar de se valer de instrumentos devidamente previstos em lei, os contribuintes são surpreendidos com autuações fiscais, que apontam como ilegais as medidas adotadas, sob argumento de que teriam sido realizadas de maneira abusiva.
O fisco sustenta que, ainda que o negócio jurídico alternativo escolhido pelo contribuinte seja válido para os fins que se propôs, aquele ato há de ser desconsiderado pela autoridade fiscal, sob o fundamento de que o único objetivo por trás da operação realizada seria o de economizar tributos.
Segundo a fiscalização e parte da doutrina, qualquer negócio jurídico deve ter uma substância econômica, ou seja, devem conter uma razão de ser além da simples economia de tributos. Sustentam, assim, a necessidade de se demonstrar o propósito negocial (business purpose), ou simplesmente uma motivação extrafiscal, para que a operação possa ser validada pelo fisco, bem como defendem que o contribuinte deve demonstrar que os efeitos daquela operação podem ser verificados no campo da realidade.
Apesar de algumas diferenças conceituais existentes no campo doutrinário quanto à terminologia utilizada, o importante é entender a ideia central que vem sendo adotada pela fiscalização, qual seja a de se exigir que as operações não sejam realizadas com o único intuito de se eliminar ou reduzir a tributação incidente.
Entretanto, a divergência surge quando se analisa os fundamentos legais para essa forma de atuação fiscal, na medida em que parte da doutrina defende que não há na legislação brasileira nenhuma norma que permita ao Fisco desconsiderar negócios jurídicos válidos, somente pelo fato de terem sido praticados com intuito de reduzir a carga tributária incidente. Pelo contrário, grande parte da doutrina aponta como ilgeal e inconstitucional este tipo de atuação da fiscalização, principalmente por entenderem se tratar de verdadeira violação ao princípio da legalidade.
A problemática reside na forma de interpretação dada ao parágrafo único, do art. 116 do Código Tributário Nacional – CTN. Enquanto a interpretação fiscal é no sentido de que esse dispositivo é uma norma antielisiva, que autoriza a fiscalização a desconsiderar os negócios jurídicos praticados com o único intuito de economizar tributos, preservando a arrecadação estatal. Por outro lado, os contribuintes defendem que essa norma sequer poderia ser considerada constitucional, e muitos menos válida, pois dependeria de regulamentação, sendo sua aplicação um empoderamento indevido do Fisco para tributar além dos limites que lhe são impostos pela Constituição Federal.
Não obstante, as discussões se acirram quando o fisco recorre ao direito privado, especialmente ao direito civil, para sustentar sua tese. Essa conduta acaba por aquecer o debate, pois muitas vezes a fiscalização acaba por dar uma interpretação diferente daquela utilizada pelos civilistas, em uma tentativa de conseguir aplicar as normas ao direito tributário, o que é vedado pela legislação tributária (CTN, art. 110).
Sem entrar em maiores detalhes sobre a divergência instaurada em torno deste tema, certo é que o cenário de litigiosidade ocasionado pelas diferentes interpretações do dispositivo reforçam a existência de uma linha tênue entre o planejamento tributário válido aos olhos do fisco e aquele considerado abusivo. Assim, cabe aos contribuintes, enquanto perdurar este cenário de incerteza acerca da matéria, realizar o planejamento tributário de forma bem cuidadosa, baseado em estudo detalhado não só da legislação, como também da jurisprudência dos tribunais administrativos e judiciais em torno da questão.
Importância do Risk Management
É justamente pela existência da linha tênue entre o planejamento tributário considerado abusivo e o planejamento tributário considerado válido, comentado anteriormente, que se faz necessário falarmos sobre o Risk Management, ou, gerenciamento de risco. Esse mecanismo visa identificar, avaliar e controlar os riscos envolvidos na operação do planejamento.
Por isso, é preciso realizar um estudo aprofundado do entendimento fiscal e jurisprudencial sobre cada medida que se pretende adotar no bojo do planejamento tributário, tornando possível uma ponderação dos riscos envolvidos com os benefícios que serão gerados ao contribuinte.
O planejamento tributário é somente para empresas?
A aplicação mais comum do planejamento tributário se dá no âmbito empresarial, principalmente em empresas de maior porte. Isso porque, a tributação da atividade econômica possui maior relevância em termos de arrecadação, sendo também mais complexa, por envolver a incidência de diversos tributos simultaneamente.
Sendo assim, as empresas podem encontrar no planejamento tributário empresarial uma solução para otimização das operações, redução de custos e, consequentemente, aumento da margem de lucro.
É muito comum a realização do planejamento tributário para realização de operações envolvendo a venda de ativos da empresa, fusões, aquisições, reestruturações societárias, abertura de filiais e coligadas, entre outros. Nessas situações, pode-se dizer que a questão tributária é uma das mais importantes, razão pela qual motivam ou muitas vezes até são fruto de planejamento tributário.
Contudo, saindo do contexto empresarial, o planejamento tributário também pode ser utilizado para otimizar outros tipos de operações, sendo igualmente relevante para fins planejamentos sucessórios e patrimoniais, haja vista a significativa tributação incidente sobre a transmissão dos bens de herança ou a exploração de bens imobiliários e outros tipos de ativos.
O Planejamento Tributário no Planejamento Sucessório e Patrimonial
Nossa equipe já escreveu sobre as vantagens do planejamento sucessório e patrimonial, que além de ser um efetivo mecanismo de proteção do patrimônio familiar e de perpetuação dos negócios de família, também pode representar uma oportunidade de otimizar a exploração e sucessão do patrimônio, sob o ponto de vista tributário.
Ademais, é importante frisar que não é só o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD) que merece especial atenção ao falar de tributação da sucessão, que também pode ser impactada pelos custos tributários decorrentes do Imposto de Renda – Ganho de Capital, além dos tributos incidentes pela própria exploração dos bens posteriormente.
Por isso, um bom planejamento sucessório deve ser acompanhado por um criterioso planejamento tributário, que vai adotar medidas não só para reduzir a carga tributária da sucessão propriamente dita, mas vai se preocupar com os impactos tributários das demais operações pertinentes aos negócios de família.
Aliás, não se pode esquecer que as soluções normalmente apresentadas para dar mais eficiência aos planejamentos sucessórios e patrimoniais, tais como a constituição de holding patrimonial ou a doação de bens em vida, possuem suas próprias consequências tributárias, que são igualmente importantes e dignas de um olhar atento e criterioso de um especialista. Não é diferente com os casos que envolvem a sucessão exploração de bens situados no exterior e que se valem de instrumentos internacionais (Trust Funds, Joint-tenancy, etc), se faz ainda mais relevante a realização do planejamento tributário, por envolver temas sensíveis de tributação internacional.
Assim, para concretização dos objetivos traçados no planejamento sucessório e patrimonial, é imprescindível a realização do planejamento fiscal, com intuito de garantir que todas as medidas adotadas para dar efetividade aos planos de sucessão e de organização do patrimônio, possam igualmente ser eficientes do ponto de vista tributário.
Como fazer um planejamento tributário eficiente
A realização de um planejamento tributário passa, primeiramente, pela elaboração de um diagnóstico, pelo qual vai se identificar o ponto de chegada pretendido pelo contribuinte, ou seja, qual o resultado esperado, bem como estabelecer qual é o ponto de partida.
Nesta etapa, é essencial que se identifique o potencial fato gerador da tributação que pode ocorrer para cada um dos negócios jurídicos que se mostrarem igualmente válidos e eficazes para obtenção do resultado.
Lembrando que, caso já tenha ocorrido o fato tributável, cai por terra o planejamento, pois aí estaríamos diante de uma situação de evasão fiscal, conforme já ponderamos. Por isso, forçoso que o contribuinte procure a via do planejamento tributário antes de realizar o negócio jurídico que atrai a incidência do tributo.
A partir disso, passa-se a analisar detalhadamente as consequências legais para cada uma das medidas entabuladas, atentando-se às características que lhe são próprias, tanto do ponto de vista fiscal quanto negocial.
Na sequência,, é hora de se voltar ao Risk Management, etapa na qual serão identificados e gerenciados os riscos envolvidos na operação, municiando o contribuinte e os profissionais envolvidos (advogados, contadores, etc) com os elementos necessários para a tomada de decisão.
A partir daí, executa-se o plano traçado, partindo-se à realização dos negócios jurídicos alternativos que foram apontados, sempre atentos às formalidades legais e obrigações acessórias pertinentes.
Conclusão
Diante do exposto, há de se reconhecer que o planejamento tributário é sim um importante aliado dos contribuintes na incessante busca de reduzir os impactos que a tributação tem sobre seus negócios, principalmente no cenário de hipercomplexidade legislativa que vigora no Brasil.
Contudo, é preciso entender a complexidade do tema, se atentando para as limitações ao exercício deste direito de economia de tributos, que apesar de ser reconhecido pela própria Constituição Federal, vem sendo obstado pela fiscalização, a qual tenta encontrar mecanismos de promover uma política antielisão no país, ainda que sem o devido amparo legal.
Assim, o planejamento tributário deve ser feito com cautela e critério, contando com a participação de uma assessoria jurídica especializada em conjunto com a contabilidade da empresa. O objetivo é garantir que os benefícios ocasionados pelas medidas adotadas, não se reverta em prejuízos futuros provenientes de um autuação fiscal, pautada em eventuais abusos cometidos pelo caminho. Portanto, além de um diagnóstico correto, é essencial que se realize uma análise de risco, a fim de se propiciar às partes envolvidas os elementos necessários para a tomada de decisão.