O mercado das Startups tem mostrado cada dia mais relevância mundo afora e no Brasil não é diferente. O crescimento pujante dessas organizações, a gama quase infinita de produtos e serviços – em sua maioria inovadores e inéditos – que elas oferecem, bem como o cenário de incerteza no qual atuam, tornou necessária a efetiva regulamentação legal acerca do segmento. Estima-se que nos últimos cinco anos, segundo dados da Associação Brasileira de Startups (Abstartusps), o número de empresas que se enquadram em tal mercado tenha crescido em 300%.

O atual Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, após dois anos de tramitação no congresso nacional, sancionou em 1º de junho de 2021 a Lei Complementar nº 182/2021 que, além de instituir o Marco Legal das Startups – MLS e do empreendedorismo inovador, alterou as Lei nº 6.404 /1976 (Lei das S.A) e a Lei Complementar nº 123/2006 (Estatuto nacional da Microempresa e empresa de pequeno porte).

O que estipula o Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182/2021)

Em suma, a legislação visa trazer simplificações e incentivos para que as startups possam crescer no mercado brasileiro, criando um ambiente regulatório favorável para essas empresas, por meio de desburocratização e diminuição da atuação do Estado como controlador dessas relações. Em que pese as valiosas alterações promovidas pela norma em comento, o setor considera que foram ignorados alguns pontos importantes, tais como questões trabalhistas e tributárias. Entretanto, passaremos a explorar a partir de agora apenas as conquistas consideradas positivas ao universo das startups.

A nova norma estipulou o conceito de startup, qual seja: “organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados.” Soma-se a essa definição, os critérios e objetivos que, em sua medida, facilitam o enquadramento do conceito: i) receita bruta de até R$ 16 milhões no ano-calendário; ii) tempo de existência de até dez anos de inscrição no CNPJ; e iii) alternativamente, fazer uma declaração em seu ato constitutivo ou alterador e utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços, ou enquadramento no regime especial Inova Simples.

A definição supramencionada, por si só, possibilita a construção de relevante segurança jurídica ao setor, uma vez que estabelece o conceito para enquadramento de uma empresa startup.

Investidores e obrigações trabalhistas e tributárias

A nova legislação desvincula os investidores de quaisquer obrigações trabalhistas ou tributárias da empresa, de forma que as startups poderão contar com o investimento de investidores – pessoas físicas e jurídicas – sem que estes necessariamente participem do capital social, da direção ou do poder decisório da empresa. Dessa forma, o investidor é desobrigado de obrigações fiscais e tributárias caso aquele negócio seja incipiente e instável. Ainda, os investidores serão considerados quotistas ou acionistas se o investimento for convertido formalmente em participação societária. Por essa razão, os investidores não responderão por nenhuma dívida da empresa, nem mesmo com os próprios bens, salvo em casos de dolo, fraude ou simulação de investimento.

Essa desvinculação entre investidores e startup, em um primeiro momento, fomenta consideravelmente o aporte de recursos financeiros na empresa, considerando que o investidor terá seus riscos de investimento limitados ao sucesso da corporação.

Além disso e, com relativo grau de semelhança ao disposto acima, a Lei Complementar nº 182/2021 permite a aplicação de recursos por investidores-anjo sem que haja a necessidade de sua participação em decisões de comando da corporação. Lado outro, garante mecanismos de fiscalização pelo investidor, tais como vistas de contas, livros sociais, balanços e até mesmo opinar consultivamente nas deliberações da empresa.

A nova norma também permite que o investidor pessoa física, que eventualmente perca investimentos decorrentes dos contratos de aporte previstos no art. 5º da Lei, seja compensado com o ganho de capital tributando-se apenas o lucro líquido. Esse dispositivo é de grande relevância pois, considerando que muitos investidores investem em mais de uma startup e que nem todos os seus investimentos geram frutos, o imposto passará a ser calculado com base nas perdas e ganhos de todos os seus aportes, em compensação semelhante às perdas das ações listadas na bolsa de valores.

Sandbox regulatório

O MLS promove também a criação do chamado Sandbox, um interessante ambiente regulatório experimental, que permite a criação de um regime diferenciado para permitir que empresas lancem os seus produtos com menos burocracia e com condições que simplifiquem a testagem de novos produtos, tecnologias experimentais e serviços a partir da autorização de órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial. Os órgãos reguladores, tais como a ANVISA e a ANATEL podem, por exemplo, suspender temporariamente para as startups determinadas normas exigidas das empresas que atuam no setor. O funcionamento do sandbox deverá estabelecer os critérios para a seleção ou qualificação da empresa, a duração e o alcance da suspensão da incidência das normas e as normas propriamente abrangidas.

Esse dispositivo permite ao empreendedor que, durante o período de suspensão, observe e monitore o desenvolvimento de sua solução (ou produto) e seu possível impacto junto ao mercado. Ao fim da fase experimental o projeto pode ser – ou não – autorizado a atuar de forma plena e, só assim, novas regulamentações sejam criadas.

Em adição, a Lei aqui debatida fomenta o incentivo de investimento em startups. Uma das formas para isso será por meio de empresas que já possuam obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação advindas de outorgas realizadas por agências reguladoras (ANP e ANEEL, por exemplo). Dessa forma, essas empresas poderão aportar suas obrigações em Fundos Patrimoniais ou Fundos de Investimento em Participações que invistam em startups ou em programas de aceleração gerenciados por instituições públicas.

Alterações na Lei das SA (Lei nº 6404/1976)

A Lei Complementar nº 182/2021 promoveu alterações também na Lei nº 6404/1976, a Lei de Sociedades por Ações. Essas mudanças tiveram como objetivo facilitar uma eventual transformação das startups em Sociedade Anônima, além de reduzir custos.

A partir do dia 1º de Janeiro de 2022 as publicações obrigatórias poderão ser feitas de forma resumida, desde que haja divulgação simultânea da íntegra dos documentos na página do mesmo jornal na internet. Isso vai de encontro ao que já havia sido disposto na  Lei n° 13.818/2019, que alterou o art. 289 da LSA, e promove mais uma simplificação e modernização na gestão das startups, além de adequar a Lei das S.A ao constante desenvolvimento tecnológico contemporâneo. Agora, com o MLS, o regime de publicações ordenadas pela lei societária recebeu novo aperfeiçoamento. A companhia fechada que tiver receita bruta anual de até R$ 78 milhões poderá realizar as publicações de forma eletrônica, bem como substituir os livros sociais por registros mecanizados ou eletrônicos.

Ainda em relação às mudanças promovidas na Lei das S.A, agora no que tange à administração da empresa, o MLS trouxe uma inovação no sentido de permitir que a corporação seja constituída por apenas um diretor, ao contrário do que ocorria anteriormente, quando eram exigidos pelo menos dois diretores em sua composição. Isso, por si só, viabiliza uma estruturação mais simples e diminui os custos, atendendo assim os anseios dos empreendedores.

Startups e processos de licitação

Anova lei promoveu uma facilitação ao acesso às licitações, sejam elas de empresas públicas, mistas ou subsidiárias, objetivando a contratação de pessoas físicas e jurídicas no objetivo de testar soluções inovadoras, tornando-se os parâmetros dispostos na Lei Complementar condição essencial para a contratação com o setor público.

Ao contrário do que ocorre na Lei de Licitações, que o critério para escolha da empresa é a melhor proposta, a Lei Complementar dispõe de cinco critérios para a escolha, no qual a viabilidade econômica não é critério primordial para a contração, valorizando assim a resolução do problema e o desenvolvimento da solução, conforme demonstrado a seguir, no rol dos critérios de julgamento das propostas: (i) o potencial de resolução do problema pela solução proposta e, se for o caso, da provável economia para a administração pública; (ii) o grau de desenvolvimento da solução proposta; (iii) a viabilidade e a maturidade do modelo de negócio da solução; (iv) a viabilidade econômica da proposta, considerados os recursos financeiros disponíveis para a celebração dos contratos; e (v) a demonstração comparativa de custo e benefício da proposta em relação às opções funcionalmente equivalentes, podendo a comissão julgadora escolher mais de uma proposta para a celebração do contrato.

A lei ainda prevê que a Administração Pública poderá, mediante justificativa expressa, com base na demonstração comparativa entre o custo e o benefício da proposta, aceitar o preço superior à estimativa, desde que o preço ofertado seja superior em termos de inovações, de redução do prazo de execução ou de facilidade de manutenção ou operação, limitado ao valor máximo que se propõe a pagar e, para que isso ocorra, a Administração poderá negociar com os selecionados para conseguir condições mais vantajosas.

Conclusão

A Lei Complementar nº 182/2021 trouxe inúmeras inovações e, por consequência, benefícios ao ambiente de fundação, desenvolvimento e crescimento das startups. Por essa razão, é de se esperar que o seu objetivo, qual seja, “razer simplificações e incentivos para que as startups possam crescer no mercado brasileiro, criando um ambiente regulatório favorável para essas empresas, por meio de desburocratização e diminuição da atuação do Estado como controlador dessas relações”, seja ao menos em grande medida alcançado. Existem, certamente, pontos que poderiam ser melhor explorados, tais como as questões trabalhistas e tributárias, mas é certo que o MLS representa um enorme avanço ao setor – o qual não deve ser menosprezado. Certo também que, as inovações produzidas fomentarão a modernização do ambiente de negócios brasileiro e o incentivo ao empreendedorismo inovador como meio de promoção da produtividade e da competitividade da economia brasileira.